terça-feira, 13 de agosto de 2013

Elipse


Lembro nitidamente do meu tom desafiador e das últimas palavras que lhes disse quando eles finalmente me capturaram e trouxeram para o Labirinto:
- Eu nunca esquecerei.
Eles apenas se entreolharam e sorriram. Lembro-me de ter ouvido um deles comentar em tom debochado enquanto se afastava:
- Todo mundo esquece.

A sentença era simples: “Saia do Labirinto pela porta certa e sua punição termina”. 
Senti um certo orgulho de mim mesmo, porque ao invés de estar com medo, uma estranha excitação me motivava a ingressar naquilo que eu começava a encarar como uma aventura.

O Labirinto era totalmente diferente do que eu havia imaginado quando ouvia os contos quase sussurrados daqueles que clamavam ter escapado de lá. As paredes eram feitas de pessoas vivas e falantes, com as mais diversas aparências e nos mais variados estados de humor. Centenas delas! Eram livres para andar e se movimentar da forma que quisessem, de modo que os caminhos se modificavam o tempo todo.

E todas elas falavam comigo! Pelo menos umas vinte vezes por dia alguns daqueles tijolos humanos me dirigiam a palavra, sempre me chamando por nomes diferentes. Mesmo quando a mesma pessoa falava comigo por uma segunda vez, já me batizava com um nome ou apelido diferente. 
No princípio eu as ignorava. Depois comecei a tentar convencê-las a me ajudar, então passei a odiá-las e finalmente comecei a encontrar nelas e em nossas breves e fúteis conversas um remédio para minha crescente solidão.

Conforme eu havia sido informado, o Labirinto tinha suas armadilhas: portas que se abriam para salas escuras, onde eu ficava por tempo indefinido (e indefinível!) e sempre sofria algum tipo de intervenção.
Na primeira dessas portas trocaram minhas roupas. Já na segunda eu fiquei trancado pelo que imagino ter sido dois dias, apenas ouvindo centenas de músicas diferentes, dos mais diversos estilos e nacionalidades. Outra porta me encerrou numa estranha sala de cinema, onde, através da tela, pessoas falavam diretamente comigo por horas, contando detalhes de toda a sua vida (algumas conhecidas minhas, inclusive).
Essas armadilhas se repetiram incansavelmente durante minha passagem pelo Labirinto. Trocaram minhas roupas incontáveis vezes, encheram meus ouvidos com provavelmente todas as músicas do planeta (eu chamava essas salas de Cubos do Inferno) e me apresentaram com riqueza de detalhes a tantas pessoas que eu já começava a confundir quais eram as que eu conhecera pessoalmente.

Eu era encaminhado até a porta que dava para a sala de refeições com uma escassa frequência e lá me era oferecido um banquete no escuro, onde todos os alimentos estavam cortados em formatos parecidos e eu não podia discernir o que estava comendo até que provasse.

Algumas das pessoas que compunham as paredes do Labirinto pareciam realmente gostar de mim e me davam apelidos simpáticos, enquanto outras me xingavam quando eu passava por elas .
Esses pequenos “relacionamentos”, como era de se esperar, com o tempo evoluíram em intensidade. Alguns dos “tijolos amigáveis” passaram a tentar me seduzir e alguns foram até correspondidos. 
Enquanto isso, alguns de meus antipatizantes já me agrediam abertamente. 
Diante da ausência de instruções sobre como proceder com relação às paredes vivas, eu reagia de acordo com meu instinto ou estado de humor. Por várias vezes retribuí as agressões e parti pra briga, outros dias eu apenas ignorava.

Um certo dia, uma moça me deu um tapa nas costas logo após eu ter passado por ela. Eu virei e mandei ela ir se fuder. Ela caiu na gargalhada e a partir de então nos tornamos amigos. 
Não que ela jamais tenha me dito seu nome, ou tenha parado de me chamar por apelidos diferentes como todos os outros, mas eu sabia que havíamos ficado amigos porque ela passou a me trazer cerveja.

E foi ela quem veio me parabenizar quando eu cheguei ao final do Labirinto.

Durante todos os anos que vaguei por entre aquelas paredes de gente, eu abria a maioria das portas que encontrava, mesmo sabendo que poderiam conter armadilhas, porque existia uma pequena possibilidade de eu ter chegado ao final do Labirinto e aquela ser “a porta certa”.
Quando finalmente encontrei o tão esperado final tive vontade de socar minha própria cara! Aquele lugar era tão diferente de todos os outros que eu não sei como pude ter me confundido por tantos anos!

Restava apenas uma tarefa e a que descobri ser a mais cruel: “Sair pela porta certa.”

Eu me encontrava em uma espécie de clareira e à minha frente haviam mais de quinze portas diferentes. Todas elas com a foto de uma versão de mim mesmo enquanto estive ali dentro. Ao lado de cada porta havia um pequeno dossiê, contando uma versão diferente de mim:
“Alan Vieira, 28 anos, gosta de música clássica e morangos. Amigo de Daniele e Gustavo. Qualidade: criativo. Defeito: agressivo.”
“Diego Souza, 30 anos, gosta de rock e pizza. Amigo de Luciana e Carlos Henrique. Qualidade: inteligente. Defeito: preguiçoso.”
“Marcelo Gramado, 32 anos, gosta de samba e berinjela. Amigo de Oscar e Thiago. Qualidade: integridade. Defeito: pessimismo.”

A medida que eu ia passando em frente à porta e lendo esses perfis, uma inquietação desesperada se abateu sobre mim. Ao final da ultima leitura, eu simplesmente não conseguia decidir qual daquelas versões correspondia exatamente à pessoa que eu era quando cheguei àquele lugar. 
Foi apenas nesse momento que percebi que estava perdido.

Fiquei sentando, olhando perplexo para aquelas portas durante uns três dias. Quanto mais eu tentava lembrar de mim, mais eu senti que perdia ou inventava algum detalhe.

Minha amiga vinha me trazer cerveja a noite e me fazia companhia. Ela também não tinha certeza de qual das portas estava certa e não sabia como me ajudar.

Foi apenas no terceiro dia que ela, observando minha aflição, olhou em meus olhos e propôs:
- Sabe... você pode ficar... não é tão ruim ser um de nós.

Aquela pareceu a melhor proposta que havia ouvido na vida e naquele momento eu sabia o que tinha que fazer:
Levantei e lhe disse adeus. 
Segui com passos firmes em direção à porta certa. Não aquela que eu lembrava estar correta, mas a que me descrevia exatamente naquele momento.


                                                                    *******
Após muitas noites de insonia resolvi  que seria uma perda de tempo passar o resto da vida me questionando se fiz a escolha certa e passei a viver, simplesmente, sem questionar esse recomeço.
Nem tudo deu certo, nem tudo deu errado e nos vinte anos que se passaram desde de que deixei o Labirinto cheguei à conclusão que a vida é só a vida mesmo. E é assim pra todo mundo. E tá tudo bem.

Mas hoje, quando deixei aquela menina com seu olhar desafiador e sua promessa de que sempre se lembraria, senti uma sensação ruim....


E pela primeira vez, em muito tempo, sinto vontade de abrir novas portas.

sábado, 2 de março de 2013

Cortina de Fumaça



No momento que vejo aquele jovem rapaz, pouco mais que um adolescente espinhento, com sua camiseta de banda de rock, cabelos compridos e mal penteados, atravessar a porta do bar arrastando num passo lento seu insignificante corpo de menos de 70 quilos, não posso conter um sorriso exasperado. Assim como eu previa, esta noite será um desperdício total.
Tento esconder-me atrás da nuvem de fumaça de meu charuto, enquanto seus olhos ainda vermelhos de alguma ressaca percorrem idiotamente o bar procurando por mim. Talvez ele vá embora e me deixe terminar meu vermouth em paz.
O garoto coça a rala barbicha, confuso. Claramente não reconheceu ninguém neste bar como a pessoa que sua imaginação o fazia procurar, mas ao invés de desistir e ir embora, ele aproxima-se do balcão e pede uma dose de uísque barato.
Neste momento simpatizo com ele pela primeira vez: é preciso ter pelo menos um pouco de personalidade para se entrar num local como este, com a intenção de me encontrar, e pedir o uísque mais barato da casa. Também noto que ele está tentando parar de fumar, pois no momento que seu copo de bebida é entregue, seus dedos fazem um movimento involuntário de acomodar na mesma mão do copo um cigarro que não está ali.
Aquele simples movimento leva minha mente a uma longa viagem no tempo e ali, em meio a toda aquela fumaça e calor eu posso vê-lo por um momento: meu primeiro “Acerto”.
Aquele havia sido sem duvida o homem mais tranquilamente perturbado que eu conheci na vida e ele fez exatamente o mesmo gesto no dia em que lhe paguei um drinque com o restante de seu pagamento. Velho, com uma pele salpicada de manchas causadas por anos de exposição ao sol e os olhos inquietos e distantes que eu com o tempo iria reconhecer no rosto de tantos outros seres humanos viciados em algum tipo de substancia ou atividade, ele havia vendido sua língua, e com isso, perdera o gosto em fumar. Beber, no entanto foi um hábito que ele conservou.
- Não é pelo sabor, como eram meus charutos, mas pela sensação do álcool em minhas veias – ele explicou naquela letra miúda em seu novo bloco de comunicação.
                Com aquele Acerto eu ganhei meu primeiro e mais frequente cliente: um milionário hipocondríaco e solitário, que era capaz de tagarelar por horas e horas nas raras ocasiões em que recebia uma visita. Ele acreditava que, quando uma parte de seu corpo estava doente, era preciso comer aquela mesma parte de um ser humano saudável e desta forma ficaria curado.
                Eu não o questionava e nem me importava, assim como os Acertos também não pareciam se importar com o fim que levariam as suas partes do corpo vendidas. Todo mundo sempre tem seus próprios motivos pra cometer loucuras ou crimes. Sejam esses motivos verdadeiros e legítimos, ou apenas desculpas para acalmar a consciência, eles nunca importam de verdade, a não ser para a pessoa que os criou e utiliza.
                Conquistei muitos clientes e nunca me choquei particularmente com a excentricidade de seus pedidos. Gosto de me considerar uma pessoa difícil de impressionar. Ainda assim, alguns Acertos conseguem ser perturbadores.
Desde que entrei para o negócio, sempre considerei apenas coerente com nosso tipo de sociedade que um homem tenha o direito de comer aquilo que seu dinheiro puder lhe pagar, desde que encontre alguém disposto a vender, principalmente aqui em Los Angeles.  Esses sempre foram nossos termos: comprar apenas de uma fonte primária e voluntária.
Também nunca me surpreendeu o fato de terem pessoas dispostas a vender partes de seu próprio corpo. Afinal de contas, a quantia certa de dinheiro pode representar muito mais mobilidade do que uma perna pra alguém que mal tem recursos pra ir ao cinema, por exemplo.
Mas os Acertos não são sempre tão coerentes. Já tive Acertos tão milionários quanto meus clientes, que queriam se livrar de partes de seu corpo que lhes causavam culpa, ou que recusavam o pagamento em dinheiro e queriam apenas presenciar o preparo e consumo de suas partes vendidas.
 Há também os Acertos viciados, e esses são os piores: perdem todo o dinheiro que recebem em seu vício e depois voltam a me procurar tentando vender mais partes de si mesmos. Por ética própria, eu recuso os recuso depois da terceira venda, mas sei que existem muitos outros no mercado que os aceitam, pagando bem menos e vendendo-os mais barato, até que não sobre nada, nem mesmo seu cadáver.
Estes são os atravessadores do negócio marginal. Nunca terão clientes frequentes e nem o estilo de vida que profissionais como eu alcançam. São perigosos e traiçoeiros. Muitos deles começaram como clientes e se viciaram tanto na carne humana que foram levados à falência. Alguns poucos também já foram Acertos e resolveram tentar a própria sorte de maneira amadora, cheios de rancor.
Eu nunca me preocupo muito com eles. Já estou no negócio a tempo suficiente para ter amigos nos lugares certos e segurança além da que o dinheiro pode comprar. Mas garotos como aquele moleque ali no bar deveriam se preocupar.
Ele termina sua dose de uísque. Percebo que meu charuto também já se apagou e estou desprovido de minha cobertura de fumaça. Nossos olhares se cruzam no segundo em que eu alcanço meu isqueiro mais já é tarde: as chamas em sua camiseta de rock metal já se aproximam de minha mesa.
Seus olhos vermelhos me encaram sem dúvida nem medo. Talvez um pouco de ódio, mas ainda é cedo pra dizer:
- Já é uma boa temporada para negócios? – Ele pergunta, demonstrando que aprendeu corretamente a frase código de cumprimento.
- Isso depende. Oferta ou investimento? – Respondo minha parte, mesmo já imaginando a resposta.
- Investimento.
- Você... tem certeza? – Retruco, incrédulo. Na certa esse cabeça de vento entendeu o código errado. Afinal de contas, de onde um pirralho como esse tiraria os recursos e contatos necessários para se tornar meu cliente?
- Tenho absoluta certeza. - Responde ele sentando na cadeira em frente a minha. -  Estou à procura de novos investimentos em gastronomia.
E então eu o encaro mais atentamente. O cabelo preto é na verdade uma peruca e algumas das espinhas falsas já começam a soltar de seu rosto devido ao suor. Suas feiçõs parecem ainda mais jovens e simétricas por baixo da falsa barbicha e seus olhos azuis me parecem estranhamente familiares, até que eu percebo...
Eu gosto de me considerar uma pessoa muito difícil de impressionar, mas esse cliente está definitivamente usando a camiseta errada. 

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Melhores Momentos de uma Longa Noite

"- Alô... som... testando... Boa noite. Estão todos me ouvindo? Ah, finalmente! O ruído dos cochichos terminou, então imagino que estejam me ouvindo sim. Só pra deixar claro, se o objetivo do cochicho é falar sem ser ouvido, vocês estão falhando miseravelmente. Em primeiro lugar porque é impossível não ouvir os murmúrios de 500 pessoas, em segundo, porque todo mundo aqui dentro já sabe qual é o assunto da fofoca coletiva. Então, vamos logo a ele: O noivo não vem."
 
O silêncio abismal que havia tomado o interior da igreja quando a noiva subiu até o altar e pegou o microfone foi imediatamente quebrado por um "oh!" coletivo, seguido de um furioso zumbir das vozes dos convidados, que se entreolhavam nervosamente e tentavam segredar comentários perplexos.

 "- Atenção, por favor! Vocês vão ter o resto do ano pra comentar sobre esse fiasco, portanto CALEM A PORRA DA BOCA por mais cinco minutos enquanto eu faço alguns anúncios finais ok? Ah que bom! Gritar um palavrão sempre funciona! Agora que tenho o silêncio de todos gostaria apenas de dizer algumas palavras:
Em primeiro lugar, tem uma puta festa open bar com buffet liberado há duas quadras daqui, numa mansão que já está paga, assim como as comidas e bebidas que serão servidas lá, portanto, os MEUS CONVIDADOS estão intimados a comparecer. O Dj já foi instruído pela minha madrinha pra trocar o repertório e só tocar ROCK. A ordem da noite será dançar, comer e beber até não aguentar mais, e no final da noite farei um sorteio pra saber qual será o amigo felizardo que me acompanhará na viagem de 4 dias ao Caribe, que também já está paga.


Quanto aos convidados do noivo, tenho algumas restrições: Luiz, sempre te achei um escroto e só te aturava pra não arrumar confusão desnessária. Você é um irresponsável, incompetente e o Afonso só não terminou a amizade de vocês várias vezes porque tinha pena. 
Marcela, seu irmão não te diz, mas a verdade é que ele nunca te apresenta pros amigos e nem te leva nas festas porque ele tem vergonha de você se vestir igual a uma puta. 
Gustavo, Cássio, Lincon, vocês são patéticos. Já estão muito velhos pra continuarem se comportando como se tivessem 15 anos de idade, mas isso não é problema meu e a retardadisse de vocês me diverte e me faz sentir superior, portanto vocês também estão convidados para a festa, se quiserem.
    Dona Cristina, a senhora é um doce de pessoa, mas criou um banana inútil.
    Ronaldo, você é um padrinho de merda, já que não tava nem sabendo que o noivo ia fugir, mas tirando isso, é um cara maneiro. Você, Levi, Beatriz e Michele serão mais do que bem vindos na festa.    

Só isso. Quem for velho de alma e não estiver a fim de dançar e se divertir, nem compareça. Aos que forem, aviso novamente: teremos o resto do ano para conversar sobre o mico que foi essa noite, mas hoje, quero apenas me divertir ao máximo na droga da festa que me custou mais de 10.000 reais. Vou só trocar essa roupa ridícula e encontro vocês lá."

    A noiva posicionou calmamente o microfone de volta no pedestal e saiu caminhando lentamente, pelo meio dos convidados perplexos. Sua melhor amiga vinha logo atrás, esbaforida e com medo de emitir qualquer palavra que pudesse piorar o humor da amiga.
 
Enquanto os convidados se retiravam, alguns para a tal festa e outros para as próprias casas, as duas amigas terminavam uma segunda dose de whisky na sala onde a noiva havia se preparado mais cedo.
    "- Ana, me passa a calça jeans que eu estava vestindo hoje de manhã. E pára de ficar com essa cara de assustada. Você me conhece bem demais para saber que não vou desabar."
    "- Só acho uma maluquice você manter essa festa. Não é possível que você esteja mesmo no clima..."
    "- No clima de beber até o mundo começar a girar? No clima de pular, e gritar e ouvir rock pesado e entrar numa roda punk com meus amigos? No clima de comer uma porção de gostosuras e mergulhar de roupa naquela piscina maravilhosa? Eu posso não estar feliz, amiga, mas estou MORRENDO DE VONTADE de fazer todas essas coisas."

  
E esse foi o fim da discussão. Após dizer essas palavras, a noiva pegou uma tesoura e cortou seu vestido ao meio, de sorte que ele se transformou num bonito corpete branco. Depois vestiu seu jeans e entregou a longa saia e a tesoura à amiga, que estava trêmula de incredulidade:
    "-Toma. Corta em pedacinhos igual se faz com a gravata do noivo. Quero que você ofereça aos convidados, porque eu bem que vou precisar dessa grana! Cada um que comprar um pedaço, você anota o nome, pra participar do sorteio no final da festa."
    "- Você não pode estar falando sério!! vai MESMO levar outra pessoa na sua lua-de-mel?"
    "- Bom, só seria lua-de-mel se eu tivesse mesmo casado, não é? Nesse caso será só uma viagem com um amigo, ou amiga. Pelo menos eu pego uma corzinha antes de voltar pro apartamento e começar a devolver presentes e assinar papéis. sinceramente, não sei o que você acha de tão absurdo nisso tudo."
    "- Eu só acho que isso é frieza demais. Mesmo vindo de você."
    "- Não sou fria, sou prática. Não dá pra mudar o que está feito."


 Tendo dito isso saiu sem esperar a resposta da amiga. A limousine ainda estava à sua espera.
  "- Boa noite, devemos ir?" Disse o motorista, como se não tivesse absoluta noção do que havia acontecido.
    A noiva achou essa atitude refrescantemente divertida e resolveu testa-lo, pra ver até onde ele iria em sua convicção de não deixar transparecer o constrangimento daquela noite:
    "- Ir para aonde?"
    "- O endereço que tenho é a mansão de festas Eterna."
    "- Ah, é verdade. E você por acaso sabe o que vou fazer lá?"
- Perguntou ela com um toque de malícia, certa que veria o chofer ficar vermelho.
    "- É sua festa de casamento." - Respondeu ele, sem se perturbar.
 
 Intrigada com a firmeza nas respostas, a noiva encarou mais atentamente seu interlocutor, um pouco surpresa por ele parecer ligeiramente familiar. Tentou rapidamente lembrar se ele havia sido algum colega de escola, ou de um antigo trabalho, mas chegou a conclusão de que realmente não o conhecia. Ele lhe encarou serenamente, sem titubear sob seu olhar examinador.
    "- Se vamos para minha festa de casamento, não acha melhor esperarmos pelo noivo?" - Arrematou ela, com um tom de voz triunfante.
    O motorista apenas cruzou os braços e encostou as costas no veículo:
    "- Nós podemos. Mas creio vai lhe custar uma fortuna em horas extras".
    A noiva voltou-se para ele, a principio, furiosa, mas logo depois soltou uma sonora gargalhada:
    "- Acho melhor irmos então. Essa noite já está me saindo cara demais!"